quinta-feira, fevereiro 10, 2011

O Manel

Era afilhado de Nossa Senhora e como tal ficava muito orgulhoso de falar da sua madrinha de quem tinha um profundo respeito, diria mesmo adoração, todos os anos no dia da padroeira sentia-se na obrigação de levar o seu andor, era o mínimo que podia fazer por ela.

Viveu em união de facto durante anos, até que o padre Júlio um ano, por o Manel não ser casado nem à igreja nem ao civil, lhe censurou este tipo de vida indirectamente, entregando o transporte do andor a outro, foi uma ofensa sem limite. Então resolveu satisfazer a vontade do padre e casou. No ano seguinte foi-lhe novamente facultado a satisfação de levar a madrinha aos ombros, agora sentia-se em paz consigo, mas nunca perdoou ao padre Júlio aquilo que para ele tinha sido uma ofensa pessoal e à sua madrinha.

Muitas vezes me contou a sua vida, que foi a de muitos desta Freguesia de Angústias, nasceu pobre, trabalhou toda a vida na estiva, como pescador, baleeiro e marinheiro, viveu sempre com grandes dificuldades, mas sua palavra que era como uma escritura de honra, nele estava bem vincado o tipo de educação recebida dos pais de quem se lembrava sempre com um profundo respeito mesmo já com idade avançada.

O facto de lhe serem fiança num pequeno levantamento, cumprido sempre escrupulosamente, era traduzido em orgulho pessoal, ou a satisfação de um pedido, mesmo insignificante para quem o satisfazia, logo que atendido, tornava o Manel quase como seu serviçal, tal como aconteceu durante tantos anos para com Ilido Lemos.

Trabalhou no Porto Pim como sapateiro, melhor como gostava de dizer, fazia sapatos à medida, profissão que muito o orgulhava, por lhe ter trazido um pequeno reconhecimento junto da comunidade, comprou o negocio com uma letra assinada pelo pai da Ofélia, por o dono ter ido para a América em busca de melhor vida, pois o oficio estava a chegar ao fim, mas o Manel não teve nunca essa consciência, vivendo dos poucos rendimentos da oficina dos seus sonhos, até ao encerramento da mesma, sempre orgulhoso dos poucos sapatos que ainda fez.

Conheci-o mal cheguei ao Faial em 1971, trabalhava então como marinheiro no Espirito Santo, pequeno barco que no verão ligava as ilhas do grupo central, fui naquele ano levar a bordo a Senhora Beatriz, uma idosa muito nossa amiga que tinha vindo da Terceira conhecer esta ilha, pedi-lhe que olhasse pela senhora Beatriz durante a viagem, ele olhou-me e respondeu: Fique descansado tratarei dela como à minha mãe e assim o fez.

O Manel era alto e forte, quebrou com uma doença em que não lhe deram cura e lá se foi, lembrar o Manel Panas é quase uma obrigação minha, por ele me ter dedicado sempre um respeito e uma amizade especial que muito me sensibilizava e cuja a origem nunca conheci.

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